Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

Acresce o art. 135-A ao Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para tipificar o crime de condicionar atendimento médico-hospitalar emergencial a qualquer garantia e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1o  O Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a vigorar acrescido do seguinte art. 135-A: 
Art. 135-A.  Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial:  
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. 
Parágrafo único.  A pena é aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resulta a morte.”
Art. 2o  O estabelecimento de saúde que realize atendimento médico-hospitalar emergencial fica obrigado a afixar, em local visível, cartaz ou equivalente, com a seguinte informação: “Constitui crime a exigência de cheque-caução, de nota promissória ou de qualquer garantia, bem como do preenchimento prévio de formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial, nos termos do art. 135-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.” 
Art. 3o  O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei. 
Art. 4o  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
Brasília, 28 de maio de 2012; 191o da Independência e 124o da República.  
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Alexandre Rocha Santos Padilha
Eva Maria Cella Dal Chiavon
Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.5.2012

LEI Nº 12.654, DE 28 DE MAIO DE 2012.


Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

Vigência
Altera as Leis nos 12.037, de 1o de outubro de 2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências.

A  PRESIDENTA   DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1o  O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: 
“Art. 5o  ....................................................................... 
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR) 
Art. 2o  A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 
“Art. 5o-A.  Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. 
§ 1o  As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. 
§ 2o  Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. 
§ 3o  As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.” 
“Art. 7o-A.  A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.” 
“Art. 7o-B.  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.” 
Art. 3o  A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9o-A: 
“Art. 9o-A.  Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. 
§ 1o  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. 
§ 2o  A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.” 
Art. 4o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação. 
Brasília,  28  de  maio  de  2012; 191o da Independência e 124o da República. 
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Luiz Inácio Lucena Adams
Este texto não substitui o publicado no DOU de 29.5.2012

PGR é contra inscrição de defensores públicos na OAB

maio2012
CAPACIDADE POSTULATÓRIA

PGR é contra inscrição de defensores públicos na OAB

Para a Procuradoria-Geral da República, a atuação dos defensores públicos da União e dos estados independe da inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, para a PGR, os defensores adquirem a capacidade de protocolar na Justiça no momento em que passam no concurso. O entendimento foi firmado em parecer enviado pelo MPF ao Supremo Tribunal Federal na sexta-feira (11/5), na Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona a Lei Complementar 80/1994, que cria a Defensoria Pública da União e dispõe sobre as defensorias estaduais.
A ação foi proposta pela OAB. A entidade questiona, na prática, a Lei Complementar 132/2009, que deu nova redação ao artigo 4º da Lei da Defensoria. De acordo com o inciso V do artigo 4º da Lei 132, a competência da DPU é representar “pessoas naturais e jurídicas, em processos administrativos e judiciais”, em todas as instâncias. Neste caso, a OAB questiona o trecho específico “e jurídicas”.
O Conselho Federal da OAB também questiona a constitucionalidade do parágrafo 6º do mesmo artigo 4º da Lei 132. Diz a norma: “A capacidade postulatória do Defensor Público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no cargo público”, sem mencionar a inscrição na OAB.
De acordo com a ADI, os dispositivos contrariam o artigo 5º, inciso LXXIV, e o artigo 134 da Constituição. Essas normas, alega a OAB, definem que a competência da Defensoria é representar os “necessitados”, “hipossuficientes”. A autarquia também sustenta que a lei da DPU viola o artigo 133 da Constituição, pelo qual “o advogado é indispensável à administração Justiça”.
Discussão antiga
Para a PGR, no entanto, o assunto já foi esgotado pelo Supremo. “Trata-se de discussão de há muito superada pelo Supremo Tribunal Federal”, diz o MPF no parecer. O texto, assinado pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, afirma que a Constituição, ao dizer que o advogado é indispensável, não lhe deu exclusividade de atuação.

Levantou acórdão de 1995, em que o STF diz: “Não é absoluta a assistência do profissional da advocacia em juízo, podendo a lei prever situações em que é prescindível a indicação de advogado, dados os princípios da oralidade e da informalidade adotados pela norma para tornar mais célere e menos oneroso o acesso à Justiça”. E a vice-procuradora resume: “Ou seja, não há, no artigo 133, monopólio do advogado inscrito na OAB para a postulação em juízo”.
Deborah Duprat também nega os argumentos da OAB relacionados ao artigo 134 — de que a Defensoria existe para defesa dos necessitados. Ela afirma que o direito de acesso à Justiça é “elemento essencial do Estado Democrático de Direito”. “Sem a garantia efetiva do acesso à Justiça, a proclamação de todos os demais direitos tornar-se-ia mera peça retórica, pois o cidadão não teria como protegê-los diante de sua violação, sobretudo quando esta fosse perpetrada pelo próprio Estado”.
Aprovação parcial
A vice-procuradora-geral da República não discorda totalmente do que diz a OAB. Sobre o trecho “e jurídicos” da Lei Complementar da Defensoria, Deborah lembra que o STF já se debruçou sobre a questão. Decidiu, em 1993, que a Defensoria pode representar pessoas jurídicas se elas forem “associações destinadas à proteção de interesses difusos”.

Assim, ela entende que a representação de pessoas jurídicas deve ser a exceção da atividade da Defensoria, para não “alargar” sua competência. Essa representação, continua Deborah Duprat, deve ser sempre em casos de pessoas jurídicas cuja “insuficiência de recursos” esteja comprovada nos autos — “particularmente entidades hipossuficientes ou filantrópicas”.
Contra a maré
O pedido da OAB já foi alvo de outros dois importantes pareceres, ambos contrários à sua posição. O mais recente é o da Advocacia-Geral da União, enviado ao Supremo em setembro do ano passado. Diz o órgão que a condição de necessitado não exclui pessoas jurídicas e foi essa a orientação da Constituição Federal. “Dessa forma, não há razão para se distinguir entre beneficiários igualmente necessitados, isto é, entre pessoa física ou jurídica, eis que o próprio Texto Constitucional não estabeleceu tal diferença”, diz o texto.

parecer é assinado pelo advogado-geral da União substituto Fernando Luiz Albuquerque Faria, pela secretária de contencioso da AGU, Grace Maria Fernandes, e pela advogada da União Ana Carolina de Almeida Tannuri Laferté. O texto vai pelo mesmo caminho do parecer da PGR.
Afirma que a Constituição, no artigo 133, não deu aos advogados exclusividade de atuação na Justiça. “O parâmetro constitucional eleito pelo autor estabelece, tão somente, que o advogado é sujeito indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos termos da lei”.
Na opinião da AGU, a Constituição apenas fixou “os limites da inviolabilidade do advogado”. “Além disso, a Constituição Federal nao estabelece que a advocacia seja uma atividade privativa dos bacharéis em direito inscritos no competente conselho de classe”, reafirma o parecer.
O outro parecer, mais antigo, é o do professor Celso Bandeira de Mello, especialista em Direito Administrativo, emitido a pedido da Associação Paulista de Defensores Públicos. Ele também afirma que a inscrição na OAB é desnecessária para os defensores, pois ela só é exigida no momento da inscrição na prova como aferição da capacidade técnica dos candidatos. Depois disso, não existe mais necessidade.
Da mesma forma entende o Tribunal de Justiça de São Paulo. Em maio de 2011, o TJ reconheceu a capacidade postulatória de defensores públicos estaduais, independentemente de sua inscrição na OAB. O entendimento veio em julgamento de recurso que pediu a anulação da atuação de um defensor, por ele ser desvinculado da OAB. Por unanimidade, a 2ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP reconheceu a atividade do defensor, ainda que afastado da Ordem.
Clique aqui para ler o parecer da PGR
Clique aqui para ler o parecer da AGU
Clique aqui para ler o parecer do professor Celso Antônio Bandeira de Mello

Princípio da Precaução x Princípio da Prevenção

Princípio da Precaução - Quando não há certeza científica Princípio da Prevenção - Quando há certeza científica. Para memorizar: eu sei que vou ter que me aposentar um dia, que vou ficar velho e precisar de dinheiro. Isto é certo. Logo, é preciso fazer uma PREVidência

Legitimidade - Defensoria x MP

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL DE PESSOA CARENTE – CUSTEIO DE TRATAMENTO E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. A Jurisprudência mais recente das Turmas de Direito Público do STJ admite esteja o Ministério Público legitimado para propor ação civil púbica em defesa de direito individual indisponível à saúde de hipossuficiente. 2. Essa legitimação extraordinária só existe quando a lei assim determina, como ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso, sendo insuficiente falar, de forma genérica em interesse público. 3. O barateamento da legitimação extraordinária do MP na defesa de interesse coletivo choca-se com as atribuições outorgadas pela lei aos defensores públicos. 4. Recurso especial provido. (REsp 920.217/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2007, DJ 06/06/2007, p. 259) AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. MENOR CARENTE. MEDICAMENTO. FORNECIMENTO. 1. Na esteira do artigo 129 da Constituição da República, a legislação infraconstitucional, inclusive a própria Lei Orgânica, preconiza que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública com o objetivo de proteger interesses difusos e coletivos como regra. Em relação aos interesses individuais, exige que também sejam indisponíveis e homogêneos. No caso em exame, o órgão ministerial pretende seja reconhecida a sua legitimidade para agir como representante de pessoa individualizada, suprimindo-se o requisito da homogeneidade. 2. Não tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública que vise a resguardar interesses individuais, ainda que se trate de menor carente. 3. Recurso especial provido. (REsp 787.010/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 25/08/2006, p. 328)

STF - Lei Maria da Penha

Notícias STF Imprimir
Quinta-feira, 09 de fevereiro de 2012
Supremo julga procedente ação da PGR sobre Lei Maria da Penha
Por maioria de votos, vencido o presidente, ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente, na sessão de hoje (09), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
A corrente majoritária da Corte acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio, no sentido da possibilidade de o Ministério Público dar início a ação penal sem necessidade de representação da vítima.
O artigo 16 da lei dispõe que as ações penais públicas “são condicionadas à representação da ofendida”, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa circunstância acaba por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres. Também foi esclarecido que não compete aos Juizados Especiais julgar os crimes cometidos no âmbito da Lei Maria da Penha.
Ministra Rosa Weber
Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse. Segundo ela, é necessário fixar que aos crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95).
Dessa forma, ela entendeu que o crime de lesão corporal leve, quando praticado com violência doméstica e familiar contra a mulher, processa-se mediante ação penal pública incondicionada.
Ministro Luiz Fux
Ao acompanhar o voto do relator quanto à possibilidade de a ação penal com base na Lei Maria da Penha ter início mesmo sem representação da vítima, o ministro Luiz Fux afirmou que não é razoável exigir-se da mulher que apresente queixa contra o companheiro num momento de total fragilidade emocional em razão da violência que sofreu.
“Sob o ângulo da tutela da dignidade da pessoa humana, que é um dos pilares da República Federativa do Brasil, exigir a necessidade da representação, no meu modo de ver, revela-se um obstáculo à efetivação desse direito fundamental porquanto a proteção resta incompleta e deficiente, mercê de revelar subjacentemente uma violência simbólica e uma afronta a essa cláusula pétrea.”
Ministro Dias Toffoli
Ao acompanhar o posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli salientou que o voto do ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. O ministro afirmou que o Estado é “partícipe” da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal. Assim, fundamentando seu voto no artigo 226, parágrafo 8º, no qual se preceitua que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”, o ministro Dias Toffoli acompanhou o relator.
Ministra Cármen Lúcia
A ministra Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade pela qual passa a sociedade no que se refere aos direitos das mulheres. Citando ditados anacrônicos – como, “em briga de marido e mulher, não se mete a colher” e “o que se passa na cama é segredo de quem ama” –, ela afirmou que é dever do Estado adentrar ao recinto das “quatro paredes” quando na relação conjugal que se desenrola ali houver violência.

Para ela, discussões como a de hoje no Plenário do STF são importantíssimas nesse processo. “A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica. E isso que hoje se fala, com certo eufemismo e com certo cuidado, de que nós somos mais vulneráveis, não é bem assim. Na verdade, as mulheres não são vulneráveis, mas sim maltratadas, são mulheres sofridas”, asseverou.
Ministro Ricardo Lewandowski
Ao acompanhar o relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para aspectos em torno do fenômeno conhecido como “vício da vontade” e salientou a importância de se permitir a abertura da ação penal independentemente de a vítima prestar queixa. “Penso que estamos diante de um fenômeno psicológico e jurídico, que os juristas denominam de vício da vontade, e que é conhecido e estudado desde os antigos romanos. As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade”, finalizou.
Ministro Gilmar Mendes
Mesmo afirmando ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher é a ação penal pública condicionada à representação da agredida ou a ação incondicionada, o ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator. Segundo ele, em muitos casos a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar. “Mas como estamos aqui fixando uma interpretação que, eventualmente, declarando (a norma) constitucional, poderemos rever, diante inclusive de fatos, vou acompanhar o relator”, disse.
Ministro Joaquim Barbosa
O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. “É o que ocorre aqui”, concluiu.
Ministro Ayres Britto
Para o ministro Ayres Britto, em um contexto patriarcal e machista, a mulher agredida tende a condescender com o agressor. “A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição”, concluiu.
Ministro Celso de Mello
O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, também acompanhou o relator. “Estamos interpretando a lei segundo a Constituição e, sob esse aspecto, o ministro-relator deixou claramente estabelecido o significado da exclusão dos atos de violência doméstica e familiar contra a mulher do âmbito normativo da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), com todas as consequências, não apenas no plano processual, mas também no plano material”, disse.
Para o ministro Celso de Mello, a Lei Maria da Penha é tão importante que, como foi salientado durante o julgamento, é fundamental que se dê atenção ao artigo 226, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que prevê a prevenção da violência doméstica e familiar pelo Estado.
Ministro Cezar Peluso
Único a divergir do relator, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, advertiu para os riscos que a decisão de hoje pode causar na sociedade brasileira porque não é apenas a doutrina jurídica que se encontra dividida quanto ao alcance da Lei Maria da Penha. Citando estudos de várias associações da sociedade civil e também do IPEA, o presidente do STF apontou as conclusões acerca de uma eventual conveniência de se permitir que os crimes cometidos no âmbito da lei sejam processados e julgados pelos Juizados Especiais, em razão da maior celeridade de suas decisões.
“Sabemos que a celeridade é um dos ingredientes importantes no combate à violência, isto é, quanto mais rápida for a decisão da causa, maior será sua eficácia. Além disso, a oralidade ínsita aos Juizados Especiais é outro fator importantíssimo porque essa violência se manifesta no seio da entidade familiar. Fui juiz de Família por oito anos e sei muito bem como essas pessoas interagem na presença do magistrado. Vemos que há vários aspectos que deveriam ser considerados para a solução de um problema de grande complexidade como este”, salientou.
Quanto ao entendimento majoritário que permitirá o início da ação penal mesmo que a vítima não tenha a iniciativa de denunciar o companheiro-agressor, o ministro Peluso advertiu que, se o caráter condicionado da ação foi inserido na lei, houve motivos justificados para isso. “Não posso supor que o legislador tenha sido leviano ao estabelecer o caráter condicionado da ação penal. Ele deve ter levado em consideração, com certeza, elementos trazidos por pessoas da área da sociologia e das relações humanas, inclusive por meio de audiências públicas, que apresentaram dados capazes de justificar essa concepção da ação penal”, disse.
Ao analisar os efeitos práticos da decisão, o presidente do STF afirmou que é preciso respeitar o direito das mulheres que optam por não apresentar queixas contra seus companheiros quando sofrem algum tipo de agressão. “Isso significa o exercício do núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a responsabilidade do ser humano pelo seu destino. O cidadão é o sujeito de sua história, é dele a capacidade de se decidir por um caminho, e isso me parece que transpareceu nessa norma agora contestada”, salientou. O ministro citou como exemplo a circunstância em que a ação penal tenha se iniciado e o casal, depois de feitas as pazes, seja surpreendido por uma condenação penal.
RR,VP/AD

Corte Interamericana de DH e pareceres sobre Leis de Autoanistia

Ver PIOVESAN, p. 278 e ss.


Também artigo do LFG, publicado no CONJUR, que segue adiante:

Colunas
10
março
2011
COLUNA DO LFG
A Lei de Anistia viola convenções de direitos humanos
Por Luiz Flávio Gomes



** A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso “Julia Gomes Lund e outros” (caso “Guerrilha do Araguaia”), em absoluto respeito aos direitos das vítimas e seus familiares, decidiu (sentença de 24.11.10, publicada em 14.12.10) que os crimes contra a humanidade (mortes, torturas, desaparecimentos), cometidos pelos agentes do Estado, durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), devem ser devidamente investigados, processados e, se o caso, punidos.[1]

A Corte seguiu sua jurisprudência já fixada em relação à Argentina, Chile etc. (casos Barrios Altos, Almonacid Arellano e Goiburú, dentre outros). O processo foi provocado por três ONGs brasileiras (Centro Pela Justiça e o Direito Internacional, Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo).

Sobre a Lei de Anistia brasileira pode-se de plano concluir: ela (Lei 6.683/1979) não possui nenhum valor jurídico para impedir doravante a apuração dos referidos crimes cometidos pelos agentes do Estado (ditadores ou por quem agiu em nome da ditadura).

A Lei de Anistia brasileira é inconvencional?
Sim. A Lei de Anistia brasileira, embora recebida pela Constituição de 1988 (de acordo com a visão do STF), é inconvencional (por violar as convenções de direitos humanos ratificadas pelo Brasil) e inválida (por contrariar frontalmente o jus cogens internacional). Nem tudo que o STF diz ter sido recebido pela Constituição de 1988 é compatível com os tratados em vigor no Brasil e detém validade.

A prisão civil do depositário infiel, por exemplo, foi declarada inválida pelo STF justamente tendo em conta os tratados de direitos humanos por nós ratificados, que segundo o próprio STF guardam na ordem jurídica brasileira nível superior às leis (RE 466.343-SP).

As leis brasileiras estão sujeitas a dois tipos de controle vertical: (a) de constitucionalidade e (b) de convencionalidade. Nem tudo que é recebido pela Constituição é convencional e válido, porque agora as leis devem também ter compatibilidade com as Convenções internacionais. Uma lei pode ser constitucional, mas inconvencional. Tanto no caso de inconstitucionalidade como na hipótese de inconvencionalidade, a lei não vale. É preciso que os operadores jurídicos brasileiros se familiarizem com os controles de constitucionalidade e de convencionalidade.

A decisão da CIDH afeta a soberania brasileira?
Não. Todos os países, ao firmarem um tratado internacional, perdem parte da sua soberania externa (consoante lição do jurista italiano Luigi Ferrajoli). O conceito de soberania está reduzindo o seu valor. Foi útil, no princípio do século XX, para que os Estados adotassem suas políticas autoritárias (guerras, fascismo, nazismo, Estado Novo etc.). Hoje o mundo (de um modo geral) está se voltando para os interesses internacionais.

É válida a lei quando ela contraria as ordens jurídicas superiores?
Não. Toda iniciativa legislativa hoje, precisamente porque se acha no plano ordinário, só tem valor jurídico quando compatível com as ordens jurídicas superiores: constitucional, internacional e universal. Foi decretado o fim do dogmatismo do legislador. O tempo do legalismo puro (tudo se resolvia com o texto puro da lei) está ultrapassado.

A Justiça brasileira é obrigada a acatar as decisões da CIDH?
As decisões da Corte Interamericana vinculam sim o país, vinculam obviamente o Brasil. Se a Justiça brasileira faz parte do Estado, ela também está obrigada a respeitar tais decisões. Também ela está vinculada, sob pena de novas violações à Convenção Americana. Todos estamos convidados a refletir sobre a nova cultura jurídica que está se formando.

A Lei de Anistia resultou de um pacto “imposto” pelo Governo militar da época. Isso significa, na visão da Corte, uma autoanistia. Toda autoanistia é inválida (isso já ocorreu com Argentina, Chile, Peru etc.), consoante a decisão da CIDH. As leis de autoanistia não contribuem para a construção de uma sólida democracia, ao contrário, denegam sua existência.

A lei de anistia continua valendo?
Não. A lei de anistia brasileira, em relação aos agentes do Estado que praticaram torturas, mortes e desaparecimentos, passou a ser um “nada jurídico”.

O cumprimento da decisão da CIDH aprofunda a nossa noção de democracia?
Sim. Bem sublinhou Felipe González (O Estado de S. Paulo de 19.12.10., p. A8), presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (sediada em Washington): “O Brasil daria um magnífico exemplo e fortaleceria sua imagem se acatasse [prontamente] as determinações [da CIDH]. Do ponto de vista interno, não se trata apenas de um confronto com o passado. O cumprimento da sentença fortaleceria a democracia, mostrando que não existem cidadãos de primeira e de segunda categoria e que todos os crimes, não importa quem pratique, são investigados e os culpados, punidos”.

O Brasil tem que cumprir a decisão da Corte, sob pena de desprestígio internacional. Justamente agora que o Brasil vem tendo certo reconhecimento mundial em termos econômicos, seria estarrecedor ostentar atraso na cultura jurídica internacional.

Como devem ser tratadas as leis de anistia (autoanistia) dos crimes contra a humanidade?
É dentro de todo esse quadro teórico (desenhado até aqui) que deve ser discutida a validade das já citadas “leis de anistia” (ou autoanistia), notadamente no contexto brasileiro. Para nós, está correta a orientação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (sustentada na sentença de 24.11.10, caso Araguaia) de que as leis de anistia (no Brasil, trata-se da Lei n.º 6.683/79) são inválidas (não obstante vigentes) em relação aos atos desumanos, generalizados ou sistemáticos, praticados contra a população civil, durante a ditadura militar, pelos agentes públicos ou pessoas que promoveram a arbitrária política do Estado ditatorial, com conhecimento desses agentes.[2]

A lei de anistia brasileira foi fruto de uma “conciliação nacional”?
Em relação à lei de anistia brasileira, que abrange os crimes cometidos no país de 1961 a 1979, assim leciona Flávia Piovesan:

“(…) há que se afastar a insustentável interpretação de que, em nome da conciliação nacional, a lei de anistia seria uma lei de ‘duas mãos’, a beneficiar torturadores e vítimas. Esse entendimento advém da equivocada leitura da expressão ‘crimes conexos’ constante da lei. Crimes conexos são os praticados por uma pessoa ou grupo de pessoas, que se encadeiam em suas causas. Não se pode falar em conexidade entre fatos praticados pelo delinquente e pelas ações de sua vítima. A anistia perdoou a estas e não àqueles; perdoou às vítimas e não aos que delinquem em nome do Estado. Ademais, é inadmissível que o crime de tortura seja concebido como crime político, passível de anistia e prescrição”.[3]

Por que não valem as leis de anistia (autoanistia)?
Como já referido, os crimes contra a humanidade (como é, v.g., o crime de tortura durante o período ditatorial), assim como os crimes de genocídio e contra a paz não podem ser considerados como crimes comuns (ou políticos), sendo por isso insuscetíveis de anistia ou prescrição, tal como já decidido pelas instâncias internacionais de direitos humanos. As leis de anistia (ou autoanistia) são, portanto, leis que por perpetuarem a impunidade e impedirem as vítimas de conhecer a verdade e receber a devida reparação, são leis que não contam com qualquer validade jurídica.[4]

Para além de violarem os instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e em vigor no país, as leis de anistia violam também as normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens), que contam com valor supraconstitucional.

A condenação da CIDH
A Corte Interamericana condenou o Brasil pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 62 pessoas, incluindo-se dentre elas membros do PCdoB e camponeses da região. As operações arbitrárias do Exército brasileiro foram empreendidas entre 1972 e 1975, com o objetivo de erradicar a chamada “Guerrilha do Araguaia”. Ressalte-se que dos 62 desaparecidos no Araguaia (há quem fale num número maior), só foram encontrados quatro corpos, todos graças à ação de parentes.

Entendeu a Corte que o Brasil não empreendeu as ações necessárias para investigar, julgar e condenar os responsáveis pelo desaparecimento forçado das 62 vítimas e pela execução extrajudicial da Sra. Maria Lucia Petit da Silva, cujos restos mortais foram encontrados em 14 de maio de 1996.

Entendeu ainda a Corte que os recursos judiciais dos familiares das vítimas, com o objetivo a obter informação sobre os fatos, não foram efetivos para garantir-lhes o acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia, além do que as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo governo brasileiro (v.g., a promulgação da lei de anistia) restringiram indevidamente o direito de acesso à informação desses familiares.[5]

As disposições da lei de anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos “são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos” e não podem “continuar a representar um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, nem podem ter igual ou similar impacto sobre outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil”.[6]

Obrigações do Brasil decorrentes da condenação internacional
Doravante o Brasil terá que eliminar todos os obstáculos jurídicos (como a lei de anistia) que durante anos impediram as vítimas do acesso à informação, à verdade e à Justiça. Não se pode subtrair de nenhum povo o direito à memória e à justiça. Essa é a principal lição da decisão da Corte Interamericana que deve ser vista como legado humanista para as futuras gerações.

Deve o Estado brasileiro “conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso, a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei disponha”,[7] além de “um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional, em relação aos fatos do presente caso, referindo-se às violações estabelecidas na presente Sentença”.[8]

Outra determinação (contra o Brasil) é a necessidade de implementar em prazo razoável “um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas”.[9]

O Brasil sequer pode cogitar da possibilidade de não cumprir as decisões da CIDH. Poderia sofrer sanções internacionais e ser excluído da OEA. O não cumprimento pelo Estado brasileiro da sentença da Corte Interamericana acarreta nova responsabilidade internacional ao país, a ensejar nova ação internacional na mesma Corte e nova condenação, e assim por diante. A posição do Ministro Nelson Jobim no sentido de que o Brasil poderia deixar de cumprir as decisões da CIDH é totalmente equivocada. O STF nada mais pode fazer. As decisões da Corte devem ser cumpridas pelo Brasil necessariamente.

O STF já não tem a última palavra em matéria de direitos humanos
O STF, mantendo a tradição do Judiciário brasileiro no sentido de ser tendencialmente autoritário, em abril de 2010, validou a citada lei de anistia (7 votos contra 2), impedindo dessa maneira o reconhecimento dos direitos dos familiares dos mortos, torturados e desaparecidos, ou seja, a apuração e o processamento desses crimes contra a humanidade.

Ocorre que na era do direito globalizado e universalizado (direito pós-moderno) as decisões do STF, em matéria de direitos humanos, já não significam a última palavra. Acima do Judiciário brasileiro está o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que é composto de dois órgãos: Comissão e Corte Interamericanas de Direitos Humanos. A primeira está sediada em Washington, enquanto a segunda está na Costa Rica.

Quando nossos direitos, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, não são amparados pela Justiça brasileira, temos possibilidade de recorrer à Comissão Interamericana, que passa a ser uma espécie de “5ª instância”. Todas as violações de direitos humanos não amparadas pelo Judiciário brasileiro podem (e devem) ser levadas ao conhecimento da citada Comissão, que resolve o assunto (tal como fez no caso Maria da Penha) ou o encaminha para a Corte (assim foi feito no Caso Araguaia).

Sob o aspecto jurídico a decisão da Corte Interamericana demonstra que as decisões do STF já não são definitivas, quando em jogo está um direito previsto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”, ratificado pelo Brasil em 1992 sem qualquer reserva).

Louvor aos votos vencidos de Lewandowski e Ayres Britto
Quando o STF validou a lei de anistia brasileira, dois foram os votos vencidos: Ricardo Lewandowski e Ayres Britto. Foram os dois únicos a compreender (na ocasião) a atual dimensão da proteção dos direitos humanos, que não é mais só doméstica. Em matéria de direitos humanos a última palavra é da Comissão ou da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Os dois Ministros citados foram os únicos que admitiram que a clássica jurisprudência da Corte não iria secundar a lei de anistia brasileira.

Do domestic affair ao international concern
Do sistema do domestic affair (a tutela dos nossos direitos compete exclusivamente aos juízes nacionais) passamos para o sistema do international concern (se os juízes nacionais não tutelam um determinado direito, isso pode ser feito pelos juízes internacionais). Os juízes internos fiscalizam o produto legislativo do Congresso Nacional. Se eles não amparam os direitos das pessoas, compete aos juízes internacionais cumprir esse papel.

Finalmente, o “acerto de contas”
O “acerto de contas” relacionado com os crimes cometidos durante o período da ditadura militar finalmente tornou-se possível. O STF, majoritária e autoritariamente, tinha fechado as portas para a Justiça de Transição (Justiça do “acerto de contas”, Justiça transicional). Mas suas decisões já não são absolutas (quando há flagrante violação dos direitos humanos das vítimas).

Respeito aos direitos humanos das vítimas
Falar de violação de direitos humanos das vítimas (ou de seus familiares) num país tradicionalmente autoritário e antidemocrático parece assunto fora de moda. Mas não nos resta outra alternativa, se queremos denunciar uma vez mais essa tradicional simbiose entre o autoritarismo (militar ou não militar) e amplos setores do Poder Judiciário.

Não se pode esquecer que o Tribunal de Segurança Nacional, criado em 1937, durante o Estado Novo, que aceitava a presunção de culpabilidade do agente, salvo prova em sentido contrário, constituía expressão exuberante dessa conivência institucional.

O nazismo e o fascismo, na Alemanha e na Itália, tanto quanto os regimes autoritários no Brasil, nunca prescindiram da conivência de alguns setores do Poder Judiciário. Nisso reside a chamada “judicialização do autoritarismo” (ou da repressão), que voltou a se manifestar não na edição da lei de anistia (lei de autoanistia, na verdade), senão na decisão do STF que ignorou completamente a jurisprudência da CIDH.

Fim da “legalidade autoritária”
A “legalidade autoritária” tradicional no Brasil (consoante lição de Anthony Pereira), que é fruto de uma ancestral conivência (explícita ou implícita) entre o Poder Político (Legislativo e Executivo) e alguns setores do Poder Judiciário, acaba de se desmoronar (em relação aos crimes da ditadura). O Poder Político brasileiro, para acobertar tais crimes, aprovou em 1979 uma lei que foi considerada (pela Corte) como uma verdadeira auto-anistia.

O legislador também se equivoca. Sua palavra é somente a primeira, sobre a construção do direito. Nem tudo que ele aprova vale. Lei vigente não se confunde com lei válida. A vontade última do direito não é do legislador, sim, dos juízes. O século XXI é o século dos juízes (assim como o XIX foi do legislador e o XX foi do Executivo).

Recomendamos a leitura da sentença da CIDH, especialmente os parágrafos 147 a 182.

** Artigo escrito pelo colunista Luiz Flávio Gomes em parceria com Valério Mazzuoli, pós-doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, professor Adjunto de Direito Internacional Público e Direitos Humanos da UFMT e coordenador do Programa de Mestrado em Direito da mesma universidade.

[1]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, disponível em:

[2] No sentido de que essas leis de anistia (ou autoanistia) não possuem valor em relação aos agentes dos crimes contra a humanidade, veja-se: a) Estatuto do Tribunal Especial para Serra Leoa (art. 10); b) Comitê de Direitos Humanos da ONU (relatório de 2007); c) Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Barrios Altos. Caso Almonacid Arellano, Caso Goiburú etc. V., por tudo, Parecer técnico do Presidente do Centro Internacional para a Justiça de Transição, in Memória e verdade…, cit., p. 400 e ss.

[3] Piovesan, Flávia. Direito internacional dos direitos humanos e lei de anistia: o caso brasileiro. Revista

da Faculdade de Direito da FMP, n.º 4, Porto Alegre: FMP, 2009, p. 117.

[4] Cf. Piovesan, Flávia. Idem, p. 118-119.

[5]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 2.

[6]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 174.

[7]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 256.

[8]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 277.

[9]. V. CIDH, Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24 de novembro de 2010, Série C, nº 219, parágrafo 283.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Penal pela USP. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). É autor do Blog do Professor Luiz Flávio Gomes.

Revista Consultor Jurídico, 10 de março de 2011