PORTE DE ARMA DE FOGO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. VACATIO LEGIS INDIRETA E ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA, NOS TERMOS DA IMPETRAÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

CRIMINAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE ARMA DE FOGO. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. VACATIO LEGIS INDIRETA E ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIA.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA, NOS TERMOS DA IMPETRAÇÃO.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
I - Consoante entendimento da Quinta Turma desta Corte, o porte ilegal de arma de fogo é crime de perigo abstrato, de modo que, para caracterização da tipicidade da conduta elencada no art. 16 da Lei 10.826/03, basta, tão somente, o porte de arma de uso proibido ou restrito sem a devida autorização da autoridade competente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, sendo despiciendo o fato de a arma se encontrar desmuniciada.  Precedentes.
II - A  descrição dos fatos contidos na denúncia e na sentença demonstra que a conduta praticada pelo paciente configura o delito de posse de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei n.º 10.826/03. Não obstante tenha o Tribunal a quo registrado que se tratava de porte de arma de fogo, verifica-se a arma foi apreendida no interior da residência do paciente, configurando, portanto, posse  de arma de fogo.
III - A Lei n.º 10.826/03, nos arts. 30 e 32, determinou que os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deveriam, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou a comprovação da origem lícita da posse ou entregá-las à Polícia Federal.
IV - Durante esse prazo estipulado pelo legislador, identificado como vacatio legis indireta pela doutrina, a simples conduta de possuir arma de fogo, de uso permitido (art. 12) ou de uso restrito (art. 16), não seria crime.
V- É prescindível qualquer análise acerca da arma possuir ou não numeração raspada ou de ser de uso restrito das Forças Armadas (insuscetíveis de legalização), pois o Estatuto previa não só a possibilidade de regularização da arma, mas também, a sua simples entrega à Polícia Federal, mediante indenização, em alguns casos.
VI- Incidência da abolitio criminis temporária  tanto no tocante ao art. 12, quanto ao art. 16, ambos da Lei n.º 10.826/2003, que, pela simples posse, ficaram desprovidos de eficácia durante o período estipulado nos arts. 30 e 32 da referida norma legal. Destaca-se que o interstício se iniciou em 23.12.2003 e teve seu termo final prorrogado até 23.10.2005 (cf. Medida Provisória nº 253/2005 convertida na Lei nº  11.191/2005), no tocante à posse irregular de arma de fogo ou munição de uso permitido e restrito ou proibido.
VII - Esse termo final foi estendido até 31 de dezembro de 2008, alcançando, todavia, somente os possuidores de arma de fogo e munição de uso permitido (nos exatos termos do art. 1º da Medida Provisória nº 417, de 31 de janeiro de 2008, convertida na Lei 11.706, de 19 de junho de 2008, que conferiu nova redação aos arts.
30 e 32 da Lei nº 10.826/03). Por meio da Lei n° 11.922/2009, referido prazo foi prorrogado para o dia 31/12/2009.
VIII - Conforme o entendimento desta Corte,  deve ser considerada atípica a conduta praticada pelo paciente em 12.03.2004, de possuir, no interior de sua residência, arma de fogo de uso restrito.
IX - Ordem denegada, nos moldes como impetrada. Habeas Corpus concedido de ofício a fim de absolver o  paciente, nos termos do art. 386, III do Código de Processo Penal, por atipicidade da conduta.
(HC 169.751/DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 04/04/2011)